Padrões de atividade cerebral podem prevenir o risco de convulsão
Um estudo de viabilidade mostrou que os padrões de atividade cerebral conseguiram prever o risco de convulsão em pacientes com epilepsia focal com até mais de um dia de antecedência.
Modelos que fizeram a incorporação de vários dias de atividade epileptiforme interictal – picos e padrões de EEG semelhantes que acontecem entre as crises – ocasionaram previões para o próximo dia com precisão acima da chance em 83% de acordo com uma coorte de desenvolvimento e 66% em uma coorte de validação, explicou Maxime Baud, MD, PhD, da Universidade de Bern, localizada na Suíca, e coautores para o The Lancet Neurology.
As previsões podem se estender para até 3 dias com uma precisão acima da chance de 11% do grupo de desenvolvimento e 39% no grupo de validação. Prognósticos com horizonte de somente 1 hora, que só poderia ser determinado na primeira coorte, tiveram uma precisão acima da chance em 100% dos pacientes.
“Por 40 anos, os esforços para prever convulsões têm se concentrado no desenvolvimento de sistemas de alerta precoce, que, na melhor das hipóteses, podem dar aos pacientes alertas apenas alguns segundos ou minutos antes de uma convulsão”, disse o coautor Vikram Rao, MD, PhD, da Universidade da Califórnia. “Esta é a primeira vez que alguém consegue prever convulsões com muitos dias de antecedência, o que pode realmente permitir que as pessoas comecem a planejar suas vidas quando estiverem sob algum risco.”
Os resultados tiveram como base dados contínuos de EEG de pacientes com epilepsia focal resistente a medicamentos que tiveram o dispositivo de NeuroPace responsive neurostimulation (RNS) estabelecido para indicações clínicas e foram acompanhados em 35 centros de epilepsia nos EUA desde janeiro de 2004 a maio de 2018.
Características do estudo
Dezoito pacientes estavam presentes na coorte de desenvolvimento e 157 estavam no grupo de validação. As características da linha de base foram semelhantes: a média da idade foi de 38 anos no grupo de desenvolvimento e 35 no grupo de validação, 44% e 47% eram mulheres, respectivamente. Os participantes tiveram 20 ou mais crises eletrográficas (coorte de desenvolvimento) ou convulsões autorreferidas (coorte de validação).
Modelos treinados nas porções iniciais dos dados de EEG de cada paciente geraram previsões de probabilidade de convulsão que foram testadas em dados de convulsões invisíveis subsequentes. O desfecho inicial foi a porcentagem de pacientes com indícios que mostravam uma melhora em relação ao acaso.
Os dados mostraram que as convulsões não eram tão aleatórias do que poderiam parecer, com alguns pacientes tendo ciclos semanais ou mensais que previam uma maior chance de convulsão.
Em alguns pacientes, os períodos de maior risco podem ser reconhecidos com dias de antecedência. Períodos de tempo em que os pacientes tinham uma probabilidade quase 10 vezes maior de ter uma convulsão do que no início do estudo também podem ser percebidos.
Em estudos anteriores, os dados relatados por pacientes mostraram ciclos de convulsão circadianos e, às vezes, mais longos, assim como uma análise de 12 pacientes que fizeram o implante de sistemas de monitoramento intracraniano NeuroVista.
O estudo RNS confirmou algumas das observações anteriores e também capturou a atividade epileptiforme interictal com resolução suficiente para indicar padrões subjacentes, disse Mark Cook, MD, da Universidade de Melbourne, na Austrália, em um editorial de acompanhamento.
“Crucialmente, o estudo mostrou que os padrões de crises cíclicas podem permitir que as crises sejam previstas em períodos de tempo muito mais longos do que os mostrados anteriormente (dias x minutos ou horas), e que os ciclos complexos podem ser simplesmente extraídos da captura precisa do tempo dos eventos”, ele relatou.
Muitas incógnitas ainda permanecem, Cook afirmou. “As causas subjacentes dos padrões de atividade convulsiva não foram identificadas” e não existem dados suficientes para afirmar se os padrões se estendem por anos ou décadas.
As descobertas geram apenas hipóteses, e não evidências clínicas, destacaram Baud e coautores. E possível que os dados necessários para prever as convulsões possam ser adquiridos de formas menos invasivas do que os implantes intracranianos, eles disseram. “Ciclos de atividade epileptiforme interictal podem ser mais tratáveis do que biomarcadores que requerem EEG intracraniano de alta taxa de amostragem, abrindo a possibilidade de que métodos novos em particular, como EEG subescalpo, possam ser viáveis para a previsão de convulsões”, escreveram eles.
Ensaios clínicos prospectivos podem dizer como as predições de probabilidade de convulsão podem auxiliar os pacientes, disseram. “Vale lembrar que, atualmente, os pacientes não têm absolutamente nenhuma informação sobre o futuro e achamos que nossos resultados podem ajudar a reduzir significativamente essa incerteza para muitas pessoas”, Rao afirmou. “Determinar verdadeiramente a utilidade dessas previsões e quais pacientes se beneficiarão mais exigirá um estudo prospectivo, que é o próximo passo.”
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O estudo original foi publicado no The Lancet Neurology
* “Forecasting seizure risk in adults with focal epilepsy: a development and validation study” – 2020
Autores do estudo: Timothée Proix, Wilson Truccolo, Marc G Leguia, Thomas K Tcheng, David King-Stephens, Vikram R Rao, Maxime O Baud – 10.1016/S1474-4422(20)30396-3