Há pouca controvérsia sobre o benefício de se ter uma dieta balanceada e manter a saúde cardiovascular, como demonstrado em vários grandes estudos. No entanto, diferentes tipos de dieta permanecem controversos e, em especial, dietas com baixo teor de carboidratos (Low Carb), que se tornaram populares nos últimos anos.
Geralmente em dietas Low Carb ocorre uma ingestão moderada de proteínas e maior de gorduras. A dieta Low Carb tem muitos benefícios a curto prazo, por exemplo no emagrecimento. Porém ainda se tem dúvidas sobre sua segurança a longo prazo e possível aumento da mortalidade.
Recentemente foi publicado no European Heart Journal um estudo onde sugere que a dieta Low Carb aumenta o risco de mortalidade por todas as causas e por causas específicas. Mas será que dieta Low Carb e aumento da mortalidade realmente é uma realidade? Vamos aos dados e fatos deste estudo.
A pandemia da obesidade é um importante problema de saúde em todo o mundo e a obesidade é um fator predisponente para várias doenças crônicas, incluindo doenças cardiovasculares, hipertensão, diabetes tipo 2 e câncer. A doença cardiovascular representa a principal causa global de morte, sendo atualmente responsável por mais de 17,3 milhões de mortes anualmente. Prevê-se que este número aumente para mais de 23,6 milhões até 2030. A doença cardiovascular foi a principal causa de morte nos EUA em 2015, com 864 mil mortes.
Estudos observacionais têm várias vantagens sobre os ensaios clínicos randomizados e controlados, incluindo menor custo, maior oportunidade e uma gama mais ampla de pacientes. No entanto a preocupação com o viés de confusão inerente desses estudos, limitou seu uso quando se compara tratamentos. Assim estudos observacionais são usados principalmente para identificar fatores de risco e indicadores prognósticos. Da mesma forma nas situações em que ensaios clínicos randomizados e controlados seriam impossíveis ou antiéticos.
Este estudo é “coorte prospectivo”. O que quer dizer que é um estudo observacional. Assim sendo, devemos frisar que estudos observacionais não estabelecem causa e efeito. Portanto, não devem pautar condutas. Estes estudos são importantes? Sim, com certeza. Porém servem principalmente para levantar hipóteses que deverão ser validadas por ensaios clínicos controlados e randomizados.
Parece que os próprios autores tem algumas dúvidas. Desta forma pontuo aqui alguns detalhes muito importantes que estão no corpo do artigo. São pontos que os próprios autores levantaram. Atento que entre parenteses são algumas considerações que devemos levar em conta.
“Esta conclusão foi provisória, porque os autores relataram uma grande chance de heterogeneidade e viés de publicação”.
Também relataram que eles “podem não ter conseguido avaliar o suficiente a associação da dieta Low Carb com a mortalidade por doença cardiovascular”.
”Outros estudos, publicados após esta meta-análise, relataram resultados controversos e, por vezes, opostos em diferentes populações”.
”Claramente, ensaios de dieta low carb sobre mortalidade não são facilmente viáveis devido à dificuldade em manter a conformidade e o acompanhamento por vários anos”.
”Não há estudos disponíveis avaliando a ligação entre dieta Low Carb e o risco de AVC”.
”Com base nesses resultados, poderíamos tentar responder à pergunta sobre a definição de dieta Low Carb que poderia aumentar o risco de mortalidade a longo prazo”. (Na conclusão deveria ter sido colocada que tentaram responder a pergunta. Porém concluíram e jogaram a culpa na dieta Low Carb).
”Aceitamos que outras definições de dieta Low Carb exigem que as ingestões sejam < 20% ou < 150 g/dia de carboidratos, mas mesmo assim acreditamos que nossos resultados são valiosos”. (Estudos são feitos para mostrar evidências e não crenças. Ademais usaram uma dieta que não é conceitualmente Low Carb. Haja vista a quantidade média de carboidratos).
“Discutindo a questão do efeito dos carboidratos nos resultados, é importante enfatizar as possíveis diferenças de influência da ingestão de carboidratos refinados e não refinados”. (Então os autores não puderam diferenciar qual o tipo de carboidrato ingerido. Pode ter sido doce de leite? Ou sorvete? E sabe-se que o tipo de carboidrato tem impacto direto na saúde metabólica).
”A razão para aumentar a chance de mortalidade seria provavelmente devido ao alto consumo de açúcar simples em sua população (por exemplo, em países em desenvolvimento), ou que ingestões maiores de carboidratos e baixa proteína são mais marcadores de pobreza em países de baixa e média renda”. (Então como dito anteriormente carboidratos refinados fazem mal. O que associado a baixa ingestão de proteínas de qualidade pode estar associado a maior morbidade e mortalidade. O que é visto em populações mais carentes).
”Neste contexto, parece ser fundamental pedir mais estudos no campo para cuidar das co-variáveis, que são importantes para cada país devido à sua própria natureza da dieta e estilo de vida”. (Aqui parece que não chegaram a conclusão que o estudo publicou).
”Como em outros estudos observacionais, algum grau de erro de medição na notificação de características dietéticas e outras características do estilo de vida é inevitável”.
”No entanto, não tivemos informações sobre a ingestão alimentar dos participantes durante o acompanhamento, o que pode ter afetado os resultados finais”. (Aqui nos mostra que não foi possível saber o que os participantes comeram verdadeiramente. Porém o artigo concluiu que o problema é comer pouco carboidrato).
”Além disso, o viés de memória não pode ser superado como em estudos semelhantes”. (Neste trecho mostra que os participantes não lembravam direito o que comiam. Entretanto os autores tiram suas conclusões, inclusive sabiam a até a quantidade em gramas de cada macronutriente).
”As estimativas da ingestão alimentar estão sujeitas à variabilidade do dia a dia, portanto, um único dia de informação pode fornecer uma estimativa relativamente imprecisa da ingestão habitual. Isso pode aumentar a variabilidade global, imprecisão”. (Novamente um trecho que mostra que não tiveram controle. Então como concluíram?).
O grupo Q4 é o de dieta Low Carb. Assim podemos observar alguns detalhes importantíssimos (vide fig. 01)
Um outro dado interessante, é que as dietas não foram isocalóricas (Q1 2.433cal, Q2 1.841cal, Q3 1.738cal e Q4 2.213cal).
Em vista disso apenas estas ponderações acima já serviriam para desconsiderar esse tipo de estudo como conclusivo. Ademais a própria metodologia e desenho do estudo não permite chegar a uma conclusão.
Salienta-se ainda que as quantidades de carboidratos ingeridos são muito maiores que as dietas Low Carb indicadas. As pessoas que comiam mais carboidratos estão no primeiro quartil (Q1) cerca de 65% das calorias (367g) e as que comeram menos carboidratos no Q4 cerca de 39% (214g). Então não se trata de uma dieta Low Carb. Mas apenas um espectro, pois ficaram na média de 214-367g/dia. Isso não é Low Carb. Entretanto o título nos faz pensar que é. Talvez seja apenas uma machete sensacionalista, ou seja, uma Headline bem feita.
Afinal 214g/dia não é Low Carb é apenas menos carboidratos. Especialmente relevante notamos que junto com esse estilo de dieta, de 214g de carboidratos, os participantes do Q4 tinham um pior estilo de vida. Pois tinham mais tabagismo, álcool, e menos atividade física. Inclusive tinha mais gênero masculino, que sabemos ter mais infarto do miocárdio.
Outro ponto essencial é sobre a qualidade destes carboidratos. Foram legumes, verduras, frutas ou até mesmo grãos? Ou foram farináceos, açucares e afins? Isso tem muita diferença nos desfechos.
O NHANES é uma coorte prospectiva extensa. Onde se usa um questionário alimentar o FFQ (frequency food questionnaire), e aí já começa o problema pois as pessoas nem se lembram do que comeram. Não é um ensaio clínico e não serve para avaliar desfechos duros como mortalidade cardiovascular ou mortalidade por todas as causas, justamente pelos fatores de confusão que não conseguimos anular.
Diante disso, esse estudo não tem como pautar condutas.
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